Doença mental: Conceito e Preconceito

Doença mental: Conceito e Preconceito

Everton BotelhoSougey

NEUROBIOLOGIA, 74(3-4) jul./dez., 2011

A doença no homem é um conceito da Medicina, consiste em uma alteração, um mal funcionamento ou uma lesão em algum segmento do organismo. Um conjunto de fenômenos que se produzem no organismo que sofre a ação de uma causa mórbida (interna ou externa) e reage contra ela. A doença transtorna, altera, provoca desconforto e sofrimento ao doente.

Em geral, o conceito das doenças relaciona-se às suas manifestações clínicas, os sinais e os sintomas através dos quais podem ser reconhecidas. Em muitas delas, a pesquisa revelou os seus mecanismos (fisiopatologia) pelos quais o organismo se modifica. Esses mecanismos podem ser detectados através de exames complementares; nem sempre de fácil reconhecimento.

Existindo naturalmente, as doenças se distribuem entre populações humanas, possuem fatores causais e a Medicina historicamente as enfrenta com intervenções terapêuticas que visam a cura ou a atenuação das suas manifestações. Tratando-se a doença, alivia-se o doente, restitui-se sua funcionalidade. Utilizam-se a partir desses conhecimentos, os meios eficazes de prevenção.

Considerando-se que o constructo que denominamos de mente compõe uma expressão do funcionamento normal do organismo humano e que reflete em sua essência uma atividade diferenciada do sistema nervoso central (particularmente do cérebro), qualquer um de nós pode adoecer das funções mentais. A doença mental é democrática e não difere do paradigma médico, que define as doenças em geral. A peculiaridade das doenças mentais é que elas atingem as nossas características humanas, nosso pensar, nossa subjetividade, nosso discernimento e juízo crítico, poder de imaginar, sentir, memorizar e todas essas características são adquiridas ao longo do nosso desenvolvimento no meio social a que pertencemos. A mente nos permite aprender e ter a consciência do nosso existir, entre tantas outras extraordinárias capacidades.

Quando adoecemos mentalmente o nosso comportamento habitual, se modifica, são manifestações clínicas lamentavelmente ainda pouco reconhecidas cujos danos e conseqüências (o suicídio,p.ex.) são às vezes irreversíveis.

Historicamente, a noção de insanidade mental esteve associada à concepções místicas, demoníacas ou quando não a atitude irreverente, debochada, indolente ou esquisita. Todavia, desde o séc. 17 com Pinel, muitas pessoas encarceradas foram reconhecidas como insanas (doentes) e este foi o primeiro grande marco da Psiquiatria. Progressivamente, com o extraordinário avanço do conhecimento sobre o funcionamento do cérebro é inconcebível que, em dias de hoje a doença mental humana ainda careça de legitimidade.

Um dos principais campos de desenvolvimento do conhecimento sobre as doenças mentais vamos encontrar na contemporânea revolução da ciência cognitiva. Paralelamente, com a contribuição de vários setores das neurociências tem sido possível demonstrar alterações neuroquímicas e metabólicas do cérebro em várias enfermidades psiquiátricas e neurológicas que antes não eram conhecidas. A tarefa como afirma Kandel tem sido desvendar os mecanismos pelos quais milhões de células nervosas do cérebro atuam para produzir comportamento e como o ambiente as influencia nesse processo.

A advertência necessária vem do entendimento de que todo esse conhecimento disponível representa apenas um segmento de desenvolvimento para melhor compreensão das doenças da mente, para ajudar a diminuir o preconceito em favor dos enfermos porque a concepção do humano é muito mais ampla e bem mais complexa.

Entender que o organismo é único e que tende a funcionar em harmonia adaptativa é incluir a mente no campo das funções do sistema nervoso em vida de relação. Essa não é só uma tarefa da Psiquiatria enquanto especialidade médica, mas da sociedade como um todo.